Wednesday, April 30, 2014

Entrevista com Ron Geesin


O compositor, performer, arquiteto sonoro, designer interativo, radialista, escritor e palestrante escocês Ronald Frederick Geesin nasceu na cidade de Stevenson, em Ayrshire (Escócia), no dia 17 de dezembro de 1943. A música surgiu na vida de Ron ainda na infância, na forma de uma harmônica cromática. Aos 15 anos de idade ele descobriu o jazz e começou a tocar banjo, mudando para o piano em seguida, aprendendo o instrumento de forma auto-didata, ouvindo alguns dos gigantes do jazz no seu gramofone. Aos 17 anos, Ron Geesin juntou-se à sua primeira banda profissional, Original Downtown Syncopators. Com a banda, Ron gravou e saiu em turnês entre 1961 e 1964.

Na metade dos anos 60, Ron descobriu o gravador de fitas magnéticas como um ótimo meio para manipular os sons e uma mídia interessante para expressar seus pensamentos e música. Em 1966 ele gravou "A Raise Of Eyebrows", seu primeiro álbum solo, executado integralmente por ele no seu estúdio caseiro, que ficava dentro do seu apartamento em Notting Hill, Londres. O disco foi lançado em 1967 pela Transatlantic Records, sendo o primeiro lançamento em stereo do selo. Neste período ele também trabalhou com trilhas para programas de rádio e TV.

Ron Geesin foi convidado para compor e gravar a trilha sonora de 'The Body', documentário científico dirigido por Roy Battersby, em 1970. Esta trilha foi fruto da colaboração entre Ron e o baixista do Pink Floyd, Roger Waters. Também em 1970, Ron foi convidado para colaborar como compositor e arranjador das partes de sopro, coral e violoncelo em 'Atom Heart Mother', a suíte épica que ocupa todo o primeiro lado do disco de mesmo nome, do Pink Floyd. 'Atom Heart Mother' foi o primeiro álbum do Pink Floyd a alcançar o número 1 nas paradas inglesas. Ron recentemente publicou um livro chamado 'The Flaming Cow', onde ele conta histórias sobre a gravação e sua contribuição para 'Atom Heart Mother'.

No início dos anos 70, ele estabeleceu uma das primeiras gravadoras de um homem só, Headscope, lançando vários discos solo legais, como 'As He Stands' (1973), 'Patruns' (1975) e 'Right Through' (1977), todos estes gravados no estúdio caseiro de Ron. Antes disto, em 1972, um disco de library music chamado 'Electrosound' foi gravado por Ron, também no seu home-studio, e lançado pelo famoso selo de library music KPM. Seu lançamento mais recente é o CD 'RonCycle1: the journey of a melody', e você pode adquirir este disco - assim como vários outros álbuns e livros do Ron Geesin, incluindo 'The Flaming Cow' - através do website da Headscope: www.headscope.co.uk

Eu contatei o Ron Geesin pela primeira vez via email, através do seu website pessoal. Uma pessoa muito agradável, Ron gentilmente aceitou responder algumas perguntas para esta entrevista. Sou muito grato e espero ter a oportunidade de encontra-lo pessoalmente algum dia. Obrigado, Ron! Aqui está a entrevista:

ASTRONAUTA - Ron, quais foram seus passos iniciais no mundo da música? E seus primeiros instrumentos e influências musicais?

RON GEESIN - Eu ganhei uma harmônica cromática quando eu tinha cerca de 10 anos de idade, e seguia os passos do expoente norte-americano Larry Adler, executando todo o tipo de música, de Gershwin a Bach. Aos 15 anos de idade, mais ou menos, eu passei a me interessar pelo jazz 'tradicional'. (Havia um revival deste tipo de música na Grã-Bretanha, no período. Aqui nós chamavamos este estilo de 'Trad'.) Então eu ganhei um banjo de escala longa no meu aniversário de 15 anos, depois de ter construido um instrumento que lembrava um banjo, feito de madeira e compensado, com os trastes feitos de arame e colados com fita adesiva. Depois de seguir com algumas bandas de 'Trad' jazz na Grã-Bretanha, principalmente Chris Barber, eu logo descobri de onde eles tiravam sua música (o que eu chamo de jazz 'clássico') e, aos 16 anos de idade, eu estava colecionando relançamentos em discos (alguns 78 rotações e alguns LPs) dos pioneiros Afro-Americanos: King Oliver, Louis Armstrong Hot 5 & 7, Jelly Roll Morton Red Hot Peppers, Bessie Smith, Bennie Moten, etc. E eu continuava a praticar no banjo, sentado no banheiro quando eu deveria estar revisando as matérias para os exames escolares! Por volta dos 16 anos e meio, eu comecei a praticar piano por conta própria, tocando blues com três dedos de cada mão. Os outros dedos ficavam dobrados, até que eu consegui tocar com 5 dedos na mão esquerda, mas apenas 4 na mão direita. Aos 17 anos e meio, eu conheci uma banda de jazz chamada Original Downtown Syncopators, perto da minha casa. Eles estavam em tour pelo sul da Inglaterra. Depois de uma semana, eu me juntei à banda. Então, eu já era um pianista profissional, mesmo tendo apenas um ano de prática no instrumento.



ASTRONAUTA - Como e quando você se interessou por equipamentos e instrumentos musicais eletrônicos? E quando você construiu seu próprio estúdio? Quais eram os equipamentos que você tinha para gravar e manipular os sons no seu estúdio, na época?

RON GEESIN - Enquanto eu ainda estava com a banda Original Downtown Syncopators, eu fiz alguns arranjos para eles, o que significava aprender algumas coisas sobre notação musical. Eu também ouvia alguns compositores clássicos. Aos 21 anos de idade, quando eu estava para deixar a banda, eu me transformei de um cara que andava com roupas antigas e preferia os gramofones (acústicos) para um cara que adotou as fitas magnéticas. Eu acho que isto já estava adormecido dentro de mim e, de repente, aflorou. Eu vi que esta nova mídia me permitiria 'pintar com os sons': eu já havia pintado, mas de uma maneira mais surreal, antes de sair de casa, aos 17 anos e meio. Meu 'estúdio' era simplesmente a sala de estar do nosso úmido apartamento no subsolo, na famosa e mais colorida área em Londres, conhecida como Notting Hill. Quando eu queria gravar algo utilizando um microfone, minha esposa - que era desinger desinger de moda - tinha que parar de riscar no seu papel vegetal! Meu primeiro gravador de fitas foi um Ferrograph (britânico), construído com a solidez de um tanque alemão. Então eu consegui outro, mas não era uma máquina de qualidade tão boa. Quando a fábrica suiça Revox apareceu, eu troquei meus gravadores e logo estava com três G36.

ASTRONAUTA - Em 1967, você lançou o álbum"A Raise Of Eyebrows". Como este disco foi criado e como foi seu processo de gravação? E quais foram as técnicas que você utilizava para gravar e manipular suas composições eletrônicas e trilhas sonoras? 

RON GEESIN - O primeiro passo era visualizar uma idéia para cada peça/composição. Então o passo seguinte era trabalhar para tornar real ('realizar') o que eu havia visualizado em termos de som, conhecendo o equipamento que eu tinha e o que eu poderia fazer; e então tinha muito improviso, tanto quando eu ligava e conectava o equipamento quanto na parte musical propriamente dita. Este álbum foi o primeiro em stereo da gravadora Transatlantic - e eu não tinha um mixer stereo. Tive que improvisar! Eu também tinha uma caixa com interruptores, com os quais eu colocava para tocar todos os meus Revox ao mesmo tempo, apertando apenas um botão. Isto servia para gravar em sincronia em mais de dois canais: os gravadores permaneciam relativamente em sincronia por até 4 minutos. Eu utilizava as técnicas de mudança de velocidade na fita; edição; tocava a fita ao contrário; ligava comunicadores antigos de aeronaves (microfones de contato); ruídos de rádio; enfim, quase tudo que eu conseguisse ligar nos gravadores.

ASTRONAUTA - Em 1970, você colaborou na composição e nos arranjos de 'Atom Heart Mother', a suíte épica que ocupa todo o lado A do álbum de mesmo nome, do Pink Floyd. Este álbum foi uma espécie de divisor de águas na carreira do Pink Floyd, sendo seu primeiro disco da banda a alcançar o número 1 nas paradas inglesas. Como você vê esta colaboração dentro da sua própria carreira e discografia? 

RON GEESIN - Meu trabalho nesta faixa, compondo todos os sopros, corais e violoncelos, foi como uma ótima peça artesanal: um material intrincado, evocativo, provocativo e excitante, tudo isso colocado em um tecido bem simples. Eu não a considero uma grande composição. Eu tenho feito peças muito melhores, só que não são escutadas por muitas pessoas.

ASTRONAUTA - Suas histórias sobre o making of de 'Atom Heart Mother' são contadas no livro 'Flaming Cow', publicado em 2013. Mas quanto a outra colaboração sua com o Roger Waters, na trilha sonora ' Music From The Body', também lançada em 1970? Como ela foi criada e gravada?

RON GEESIN - 'THE Flaming Cow!' Para o filme 'The Body', eu fui chamado para fazer a música e então me perguntaram se eu escrevia canções. "Certamente não", eu respondi, "mas conheço um cara que escreve." Então Roger Waters fez as canções e eu fiz as músicas e atmosferas. Nós trabalhamos separadamente entre Fevereiro e Março de 1970. Depois da finalização de 'Atom Heart Mother', nós passamos a trabalhar no álbum 'Music From The Body", da gravadora EMI. Roger regravou suas canções, minhas peças foram as mesmas utilizadas no filme, e então nós adicionamos algumas novas faixas, 'Our Song' e 'Body Transport'. Foi idéia do Roger emendarmos uma faixa na outra, como se alguém estivesse numa jornada pelo corpo humano e descobrisse várias câmaras diferentes.

ASTRONAUTA - Como as mudanças tecnologicas afetaram você e sua música, em todos estes anos de carreira? Você aínda tem (e usa) alguns dos equipamentos que você usava nos anos 60 e 70?

RON GEESIN - Sim, eu ainda tenho alguns dos velhos equipamentos, mas eu não considero isto importante. A idéia é tudo, e pode ser realizada de várias maneiras. As mudanças tecnologicas no áudio, principalmente o sampler e a manipulação digital, ampliaram muito a 'paleta' com a qual eu pinto meus sons, mas eles não mudam a idéia. O fator que mais influenciou e influencia em todos estes anos é a necessidade de ganhar dinheiro para sobreviver, permanecendo razoavelmente independente. Isto significa trabalhar com rádio, filmes, TV, que me oferecem exposição pública enquanto consigo manter minhas idéias radicais e verdadeiras.

ASTRONAUTA - E quanto aos seus trabalhos recentes? Você está planejando ou gravando algum álbum novo? E quanto a concertos? Você deveria vir a São Paulo, seria bacana se você viesse para tocar e palestrar aqui!

RON GEESIN - Meu trabalho mais recente em CD foi 'RonCycle1: the journey of a melody', que foi quase impossível de finalizar devido à sua complexidade. O próximo CD planejado será 'RonCycle2: the journey of a rhythm', e eu já tenho várias anotações feitas, mas ainda não tenho nem idéia se conseguirei completar este disco. No momento, até o final de 2014, eu estou compondo um trabalho octofônico utilizando o canto dos blackbirds, para ser apresentado em uma galeria na costa sul da Inglaterra (no pavilhão De La Warr, em Bexhill-on-sea) em Outubro e Novembro. Estou também finalizando um livro chamado 'Adjustability: a history and analysis of the adjustable spanner in the UK, 1750-1960'. Um concerto está fora de cogitação, por causa da osteoartrite na minha mão esquerda.

Site oficial do Ron Geesin: www.rongeesin.com









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